"Pode contar comigo. Mas só por uns tempos."
"Conta Comigo" é um daqueles filmes que costumava passar na Sessão da Tarde pelo menos uma vez por mês. Baseada em um conto do Stephen King, a história narra a aventura vivida por quatro garotos que saem a procura de um corpo de um menino da idade deles que morreu atropelado por um trem (faz tempo que eu não assisto ao filme, mas acho que era isso aí mesmo).
A jornada toda é bastante interessante, algumas cenas são memoráveis, enfim... o filme é muito bom. Mas o que o torna marcante para mim é apenas uma frase. Um detalhe, que passa facilmente despercibo até pelos mais atentos espectadores.
Já nos últimos minutos, o narrador da trama (um dos garotos já adulto) começa a contar o que aconteceu depois depois de toda aquela aventura. E a primeira coisa que ele enfatiza é que, com o passar do tempo, seus amigos se tornaram "rostos comuns nos corredores do colégio" (essa é a frase usada na versão dublada. Não sei como é a fala original).
Sempre que eu assistia ao filme, me peguntava como era possível eles perderem contato depois de tudo o que passaram. Hoje já posso imaginar como isso pode ter acontecido. Foi um processo lento, gradual e assustadoramente indolor. A grande jornada se transforma em conversas rápidas, que se transformam em acenos breves e imperceptiveis que, de tão breves e imperceptíveis tornam-se desnecessários e, consequentemente, inexistentes.
Tentarei explicar: Os quatro amigos fazem aquela jornada incrível, passam por inúmeras situações perigosas, correm risco de morte várias vezes etc. Isso os aproxima em um primeiro momento. Dá até para imaginar dois deles se encontrando nos corredores do colégio e tendo diálogos do tipo:
- Pô, cara e aí?
- Fala véio, firmeza?
- Tudo certo. Grande, lembra daquela nossa aventura? Foda, hein?
- Pode crê, mano! Mó locura!
- É, a gente foi louco de ter feito isso. Mas foi da hora.
- Foi por bosta. A gente tem que marcar um dia pra fazer de novo.
- Tô ligado. Vamo agitá os cara qualqué dia.
- Opa, vamo sim! Falou, véio, tô indo nessa.
- Também. Tô atrasado pra aula de Química.
- Beleza, a gente se fala.
Aos poucos, porém, os assuntos sobre a jornada acabam. Eles não aguentam mais falar a respeito do irmão de um deles que apontou uma arma para eles, ou sobre a sanguessuga que foi se enfiar na cueca do outro. Tudo o que podia ser dito e discutido sobre a aventura já foi dito e discutido incontáveis vezes. E a segunda jornada que eles combinavam todas as vezes em que se encontravam nunca saia do plano das idéias. Acontece que as pessoas adoram relembrar o passado, mas não fazem muita questão de revivê-lo. Dá trabalho, sabe?
Assim, depois de um tempo, as conversas deixam de existir. Quando se encontram de novo, já não fazem muita questão de parar o que estão fazendo para falar pela enésima vez sobre aquela hora em que eles quase foram atropelados pelo trem. É mais fácil dar um aceno com a mão ou com a cabeça, como quem diz: "Sim, eu vi que você está aí e sim, eu ainda me lembro de você, mas não estou a fim de papo por hoje".
Claro que nesse meio tempo outras coisas também vão acontecendo na vida deles. Um deles arruma um emprego, o outro engravida a namorada, o outro começa a frequentar alguma igreja, o outro muda de colégio, todos fazem novos amigos e acabam vivendo experiências tão (ou até mais) ricas quanto aquela.
E é assim que os seus velhos companheiros se misturam àquela massa amorfa de rostos com os quais você nunca conviveu e nem nunca conviverá. Não que a jornada deixe de ser importante na vida deles. As marcas deixadas por ela fará parte da personalidade deles talvez para todo o sempre. O acontecimento não perde sua relevância, mas as pessoas que estavam lá com você não têm essa imunidade. Elas correm o risco de serem rebaixadas a meras figurantes.
Não quer dizer que isso seja ruim. Escolher quem se encaixa na sua vida e quem merece ser descartado é um processo natural e dificilmente evitável. O lado bom é que ele costuma ser indolor. Para ambas as partes.