sábado, 26 de maio de 2012

Buraco Negro - parte 1

Era uma noite comum naquela casa: o pai esticava-se em sua poltrona favorita para assistir ao telejornal depois de um cansativo dia de trabalho. A mãe estava a horas no telefone com uma amiga, colocando em dia todas as novidades da semana. O filho mais velho estava na casa da namorada. Avisou que passaria essa noite por lá. O filho mais novo estava em seu quarto, fazendo a lição de casa.

A professora havia lhe passado uma lista de cem exercícios para resolver. Era uma espécie de reforço - ou seria vingança? - por ele não ter ido muito bem na última prova de matemática. Ele já havia feito pouco mais da metade da lista, mas seus olhos já começavam a embaralhar todos aqueles números.


"Arme, efetue e tire a prova real." Era o que dizia o exercício número 68. Nada muito diferente do que pediam os outros 67. Ele apontou o lápis para começar a resolver essa nova leva de contas, quando percebeu algo inusitado.

Haviam oito números circulados no papel. Ele até já tinha visto isso, mas não tinha parado para observar. Anotou os algarismos na ordem em que apareciam e percebeu se tratar de um número de telefone. Era uma pena que sua mãe estivesse ocupando a linha, pois ele estava agora se roendo de curiosidade para saber onde daria aquele número.

De repente, lembrou-se que seu irmão deixou o celular carregando no quarto. A príncipio ficou com medo de usá-lo, pois temia ser castigado por ele se fosse descoberto. Mas a curiosidade acabou prevalecendo. Saiu silenciosamente de seu quarto e abriu a porta ao lado. Nenhum de seus pais pareceu perceber a movimentação no corredor.

Lá estava o aparelho, em cima do criado-mudo. Viu que ele já tinha bateria o suficiente para fazer a ligação. Digitou o número no teclado e levou o telefone ao ouvido.

Foi atendido pouco depois do primeiro toque. Era uma voz muito baixa quem respondia do outro lado da linha. Parecia um murmúrio, uma lamentação. Ele continuou ali, tentando entender o que a voz lhe dizia.

Aos poucos, a intensidade do som foi aumentando. Ele já consiguia identificar algumas sílabas, mas a mensagem completa ainda era um mistério. A mesma mensagem se repetia várias vezes. O som ficava cada vez mais alto. Finalmente foi possível ouvir o que era dito:

"Não confie em ninguém. Você não terá para onde correr. Não confie em ninguém. Você não terá para onde correr. Não confie em ninguém. Você não terá para onde correr..."

A voz agora gritava, de modo quase ensurdecedor. Assustado, ele desligou o celular e voltou para seu quarto. Não sabia exatamente o que tinha acontecido. Só sabia que não queria voltar a pensar nisso. Tentou retornar as contas, mas mal conseguia se concentrar. Via os números circulados e as palavras continuavam a ecoar em sua cabeça. Não confie em ninguém. Você não terá para onde correr.

Andou até a sala e observou seus pais. Pensou em contar a eles sobre o que havia acontecido, mas algo o fez hesitar. Não necessariamente por temer qualquer represália por ter utilizado o celular do irmão sem permissão, mas porque a maldita frase continuava o tomar conta de sua mente.

"Não confie em ninguém."
"Não confie em ninguém."
"Não confie em ninguém."

Respirou fundo e tentou encarar a situação de modo racional. Não que tivesse idade ou maturidade para compreender o que de fato estava acontecendo. Aliás, ninguém nessa situação poderia imaginar as consequências que aquele simples apertar de botões iria desencadear. Sem saída, ele não encontrou outra opção a não ser chorar.

Isso chamou a atenção da mãe, que finalmente desligou o telefone e foi ver o que estava acontecendo. O pai também deixou de apreciar a TV por alguns instantes e virou levemente o pescoço para observar a cena. "Esse garoto nunca chora!" pensou, estranhando o fato.

"O que aconteceu?" perguntou a mãe, enquanto o abraçava.

"Eu..." respondeu, quase afogando-se em lágrimas "Eu não estou conseguindo fazer a lição..." mentiu.

A mãe e o pai trocaram olhares de cumplicidade. Lembraram-se da última reunião de pais da escola, quando a professora havia alertado sobre a grande dificuldade que ele parecia ter com número. Ela até havia sugerido que ele fizesse algumas aulas de reforço, mas nenhum dos dois foi atrás.

"Eu ajudo você!" disse finalmente a mãe. Foi a deixa para que o pai voltasse novamente suas atenções apenas para o televisor.

Não muito longe dali, alguém comemorava: a isca havia sido mordida!

***

O que é tudo isso?

Eu realmente não ia postar nada nesse final de semana, mas aí alguém acabou me indicando esse site. Trata-se de um gerador de tramas: ele gera até cinco elementos narrativos e te "desafia" a escrever uma história que contenha todos eles. Decidi arriscar, ver o que sai.

Eu falo quais foram condições impostas para essa história quando terminar. Para não estragar a "surpresa".