sábado, 2 de junho de 2012

Buraco Negro - parte 2

[Parte 1]

A noite parecia ter sido eterna. Teve o sono interrompido diversas vezes. E sempre que olhava no relógio, parecia que não havia passado nem um minuto desde a última vez.

Mesmo assim, conseguiu sonhar. Sonhava que andava por uma caverna escura, sem que conseguisse enxergar qualquer coisa. Era como se estivesse sendo aspirado por um buraco negro sem perspectiva de retorno. Mesmo se virasse para trás, não conseguia visualizar a entrada do ambiente. Era só ele e as trevas.


Apesar do aparente atraso, a manhã acabou vindo. Fria e branca. Uma neblina supostamente surgida do nada cobria quase toda a cidade. Isso não intimidou o pai, que saiu para o trabalho pontualmente às seis e meia, como fazia todos os dias. A mãe também não se incomodou. Acordou o garoto com um copo morno de achocolatado.

- Está melhor? - perguntou disfarçando qualquer sinal de preocupação.

Ele apenas acenou positivamente com a cabeça.

Um carro parou na frente da casa e deu duas buzinadas.

- Sua carona chegou!

Ele olhou pela janela para se certificar. De fato, aquela parecia ser um dia como qualquer outro, apenas dos últimos acontecimentos.

- Bom dia, Nick! - disse a mulher que dirigia o carro.

- Bom dia. - respondeu

Seu nome era Sarah e ela vivia há dois quarteirões dali. Era ela que o levava para a escola todas as manhãs. Ela tinha também um filho chamado Jonatas que tinha a mesma idade que Nicolas. Os dois se conheciam desde muito novos e eram grandes amigos.

- E aí, cara! - disse Jonatas quando o amigo entrou no carro.

Diferentemente de Nicolas, Jonatas falava demais. Durante todo o percurso até a escola, só fechava a boca para ouvir as respostas - em geral, monossilábicas - do colega.

- Por que não vai em casa nesse próximo sábado? - ia dizendo - minha avó me comprou um jogo novo, mas minha mãe só vai me deixar jogar no final de semana. "The Darkest Wave" chama. Eu vi uns vídeos na internet e parece ser muito bom...

Nicolas não estava exatamente prestando a atenção. Não que não estivesse interessado no jogo, mas a viagem toda foi acometido por um grande dilema: contar ou não ao amigo sobre o que havia acontecido naquela noite. Nunca houve segredo entre eles. Mas a voz ecoava cada vez que ele pensava no assunto: "Não confie em ninguém." "Não confie em ninguém".

Quando chegaram à escola, ele finalmente se lembrou da professora. Foi ela quem assinalou os números da lista de exercícios. Talvez ela soubesse o significado daquilo tudo.

- Ei, você está me ouvindo? - perguntou Jonatas, furioso ao perceber que o colega não lhe respondia mais.

- O que?

- Eu perguntei se você fez a lista de exercícios que a professora te passou... cara, seu nível de atenção é quase zero! Não é a toa que foi mal na prova...

- Terminei - respondeu Nicolas, ignorando o comentário adicional. A menção à lista só fez com que ele ficasse ainda mais determinado a falar com a professora. As duas primeiras aulas seriam de matemática. Era sua chance.

Teresa Campbell impunha sua presença por onde passava. Alta, cabelos pretos curtos e olhos azuis penetrantes. Era difícil acreditar que já tinha quarenta e cinco anos. quinze deles dedicados a ensinar matemática naquela escola.

Durante toda a aula, Nicolas sentia-se vigiado por ela. Tentou evitar qualquer contato visual. Não queria que ela suspeitasse que ele já tinha ligado ao número que ela passara. Quando soou o sinal indicando o fim da aula e os alunos correram para o intervalo, Nicolas decidiu agir. Disse para Jonatas esperá-lo no pátio e se aproximou na mesa da professora com a lista de exercícios em punho.

- Com licença, professora - disse timidamente.

Ela sorriu

- Foi muito difícil?

- Bom, só fiquei em dúvida em uma coisa... tem alguns números que estavam circulados... eu tinha que ter feito alguma coisa de diferente com eles? Digo, no exercício...?

Teresa continuou sorrindo e deu a ele uma leve piscadela.

- Não se preocupe. Tenho certeza que você fez o que era para ser feito.

Antes que Nicolas pudesse perguntar qualquer coisa, ela interrompeu:

- Aqui nesse caderno - disse ela passando o objeto a ele - tem mais alguns exercícios que podem te ajudar. Mas não pense nisso agora. Vá brincar com seus colegas.

Ele guardou o caderno e desceu para o pátio. Mas estava morrendo de curiosidade para saber o que tinha naquelas páginas.

...

Já no caminho de volta para a casa, Nicolas parecia ter se esquecido por um momento do que estava acontecendo. Marcou uma tarde de videogames com Jonatas no sábado e ignorou completamente o caderno da professora. Ignorou também a presença de três homens de uniformes verdes que pareciam rondar a escola.

Até chegar em casa e abrir a mochila. Lá estava o objeto, inocente com se fosse um caderno comum. Mas Nicolas não acreditava nisso. Começou a folheá-lo e, para sua surpresa, não parecia ter nada em suas páginas além de exercícios matemáticos. Nenhum número circulado.

Desanimado, ele pensou em colocar o objeto de volta na mochila. Foi quando caiu alguma coisa dali de dentro. Ele achou estranho, pois não havia encontrado nada no meio daquelas páginas.

Era uma foto de duas garotas. Nicolas reconheceu uma delas como sendo a professora Teresa. Mas não fazia ideia de quem poderia ser a outra menina. No verso da página, outro número de telefone. Seu coração parecia congelar. "Ligo ou não ligo?" pensou.

Ficou com medo. Não queria ouvir nada assustador de novo. Definitivamente, não estava gostando daquela brincadeira e não entendia porque a professora estava fazendo aquilo com ele. Decidiu que não ia ligar e que ia contar para seus pais sobre o que estava havendo. Eles certamente saberiam como agir naquela situação.

Fez apenas os exercícios propostos pela professora. Guardou a fotografia no quarto para mostrar à mãe quando ela chegasse do trabalho.

...

Ouviu o portão se abrindo. Havia cochilado em cima da tarefa de casa em perdeu completamente a noção de horário. Achou que fosse um de seus pais finalmente voltando do trabalho. Não era. Quem entrava em casa era Otávio, seu irmão mais velho.

- O que foi? - perguntou Otávio ao ver Nicolas se aproximando.

- Onde estão o papai e a mamãe?

- Trabalhando. Os dois.

- Mas a essa hora?

- Imprevistos acontecem?

- E você?

- Eu? Tive que dispensar um passeio com a Suzy para vir ficar com você.

Nicolas sentia que havia algo estranho naquela história. Qe seu pai ainda estivesse trabalhando, tudo bem. Afinal, ele parecia passar mais tempo na empresa do que em casa. Sempre ficava até bem depois do expediente. Mas a mãe era mais pontual. Ela trabalhava no jornal da cidade e sempre voltava mais cedo para preparar o jantar.

Mais tarde, descobriu-se o porquê. Algo daquele tipo não poderia ficar muito tempo em segredo. Ainda mais em uma cidade não muito grande como aquela. Os telefones começavam a tocar, pedindo para todos ligarem a TV no canal do telejornal. Foi o que os dois fizeram.

- Ei! Estão falando da nossa cidade! - observou Otávio. Nicolas tinha um mau pressentimento.

"Um crime bárbaro chocou uma cidade no final dessa tarde!" ia dizendo a repórter em tom de indignação, enquanto a câmera mostrava imagens do lago da cidade e de um carro depredado ao lado.

"O corpo foi encontrado nas águas do lago, um dos principais pontos turísticos da região. A vítima é a professora Teresa Campbell, de quarenta e cinco anos."

Nicolas levantou-se do sofá num pulo. Seu coração ameaçava sair pela boca e se atirar em cima do televisor. Otávio olhou para ele assustado.

- É a sua professora, não é?

Não precisava muito esforço para deduzir que era. Mas aquilo não era tudo.

"A polícia ainda não tem nenhum suspeito, mas devem começar as investigações por uma mensagem deixada no próprio carro da vítima: no capô do carro, foram gravadas as seguintes palavras: 'você não terá para onde correr!'"

Nicolas saiu correndo para o quarto. Otávio pensou em ir atrás, mas achou mais prudente telefonar para a mãe.

Nicolas sentia remorso. Agarrado à foto da professora, ele só pensava numa coisa: "Eu deveria ter ligado!"

***

Essa história vai ficar maior do que eu pensei... o pior é que eu acho que já fracassei em um dos itens propostos...