sábado, 21 de julho de 2012

Novo mundo

Mofo. O cheiro era de mofo. Abri os olhos que pareciam estar fechados há muito tempo.

Não reconheci aquele quarto. Nem aquela cama. Não sei dizer se eram meus, ou se foram meus algum dia. Arriscaria dizer que não pertenciam a ninguém há anos. As rachaduras na parede, as teias de aranha no teto e os insetos vagando sem rumo pelo chão denunciavam o estado de abandono do lugar.


Eu até poderia me apresentar, se eu soubesse quem sou. Não me lembro do meu nome, da minha idade e nem como cheguei nesse lugar. Não sei a quanto tempo estou aqui. Não sei que dia hoje e nem que horas são. Tudo o que sei é que aqui estou. Não preciso saber muito mais que isso.

O meu estômago ronca, implorando por comida. Quando teria sido minha última refeição? Para que me preocupar com isso, sendo que a pergunta que realmente importa é: quando será minha próxima refeição?

Coloco os dois pés no chão e tento me levantar. Será que ainda consigo andar? As pernas parecem ter dificuldades para sustentar o resto do corpo, mas consigo me manter em pé. Devagar, dirijo-me até onde acredito estar a cozinha.

Minha memória me trai quando tento recordar como era minha vida antes de acordar. As lembranças aparecem difusas, misturando o que vivi, o que sonhei, o que testemunhei... parece que algo dentro de mim ainda deseja redescobrir o passado, embora eu tente me convencer de que isso não tem mais relevância.

Ao chegar na cozinha, percebo que não sou o único interessado em comida. Insetos das mais variadas espécies e tamanhos degustam farelos de pão caídos no chão e restos de comida grudados nas louças sujas deixadas sobre a pia. Abro a geladeira sem pensar e, de lá, saem uma infinidade de baratas e besouros. A energia elétrica deve ter sido cortada há tempos.

Queijo embolorado. Carne estragada. Vegetais apodrecidos. Não era o que se podia chamar de banquete, mas meu estômago aceitou de bom grado. Enquanto mastigo uma fatia de pão bolorento, percebo a existência de um calendário atrás da porta. A folha em evidência refere-se ao mês de agosto de 2023. É bem provável que muito tempo já se passou desde então.

Já satisfeito, decido dar uma volta pelo quintal. A piscina, coberta de água esverdeada, ajuda a matar a sede. Mais ao fundo, uma caixa de brinquedos destruídos. Faço um esforço para tentar me lembrar se tinha filhos. Sem sucesso. Aos poucos me convenço que essa informação não seria relevante.

Dou uma breve olhada naquela casa mal-cuidada. De alguma forma, aquilo me faz mal. Não que eu tenha qualquer recordações do tempo em que ela abrigava pessoas, mas saber que eu provavelmente passei um bom tempo dormindo sob seu teto faz com que eu imagine ter alguma ligação afetiva com aquela construção.

Esses pensamentos não duram muito, no entanto. Eu agora começo a pensar no resto do mundo. O que teria acontecido? Para onde foi todo mundo? Existiriam outros, iguais a mim, vagando por aí, se perguntando a mesma coisa?

Por fim, tomo uma importante decisão: sairei daquele lugar e irei explorar o mundo. É um absurdo que eu me sinta na obrigação de me prender a essa casa só porque ela foi meu primeiro contato com esse mundo novo. Volto à geladeira e tiro de lá tudo o que poderia me servir de suprimento. Da mesma forma, encho uma garrafa com a água da piscina.

Antes de sair, porém, avisto uma faca sobre a pia. Fico tentado em levá-la comigo. Embora o mundo pareça estar vazio, talvez seja melhor não arriscar. Decido, por fim, pegar o objeto e guardá-lo no bolso. Não se deve subestimar a importância de uma arma em tempos como esse.

Atravesso o jardim sem vida daquela casa e chego ao portão. De lá, dou uma última olhada no lugar. Talvez pela última vez. Começo então minha caminhada pelo mundo. Sem olhar para trás.

...

Não sei quanto eu andei. Mas percebi que já escurecia e que meus suprimentos estavam quase no fim. Até o momento, não havia obtido sucesso em encontrar outras pessoas.

Decido parar uma casa para passar a noite. Escolho qualquer uma, pois isso não faz diferença. Aparentemente, sou o único ser humano na face da terra.

A casa parece há muito tempo abandonada, assim como a outra. Aos poucos começo a me instalar. Deixo minha arma sobre a pia e saio à procura de suprimentos. A casa também possui uma piscina, o que é bom. Afinal, é minha única garantia de água.

Escolho um quarto e me deito na cama empoeirada. Tenho dificuldades para pegar no sono... mas isso é só uma questão de tempo...

...


Mofo. O cheiro era de mofo. Abri os olhos que pareciam estar fechados há muito tempo.

Não reconheci aquele quarto. Nem aquela cama. Não sei dizer se eram meus, ou se foram meus algum dia. Arriscaria dizer que não pertenciam a ninguém há anos. As rachaduras na parede, as teias de aranha no teto e os insetos vagando sem rumo pelo chão denunciavam o estado de abandono do lugar.