domingo, 1 de julho de 2012

Buraco Negro - Final

Suas pálpebras pareciam pesar meia tonelada, mas ele continuou empenhado em sua tarefa de abrir os olhos. Aos poucos, ia recobrando a consciência. Lembrou-se da conversa com Godofredo e as coisas horríveis que ele contou. Depois reviveu a imagem da casa sendo invadida o do ataque sofrido por eles.

"Onde estou?" pensou. Não tinha certeza se estava preparado para saber.


- Ah, Nick! Você já acordou? - a voz parecia vagamente familiar, mas ele não conseguia identificar precisamente o dono. Tentou abrir os olhos novamente.

Estava em uma sala branca, não muito iluminada. Não conseguia se mover. A princípio pensou que pudesse ser algum efeito da substância que lhe aplicaram, mas logo percebeu que não. Ele estava amarrado em uma espécie de maca.

- Está melhor? - tornou a perguntar a voz. Nicolas percebeu que a pessoa se aproximava.

Finalmente conseguiu ver com quem ele estava falando.

- Tia Sarah?

- Quietinho... - dizia ela - que coisa feia você aprontou hoje, hein?

- Hein?

Sarah passou carinhosamente a mão no rosto dele. Depois afastou-se, ficando fora do campo de visão do garoto.

- O que aconteceu? Que lugar é esse?

- Isso não importa agora. Aliás, você já sabe bem mais do que deveria...

- Você... você trabalha para a VLC?

Sarah suspirou. Ainda sem encarar Nicolas, ela respondeu.

- Tudo estava correndo bem. Seu irmão estava tendo a vida que Edmundo desejara. Até então, o roteiro havia precisado de pouquíssimos ajustes. Até o momento em que descobrimos que haviam vazado algumas informações sigilosas a respeito da nova vida de Edmundo. Nelson, Um antigo ex-namorado de Kátia, que fazia parte de nossa equipe, passou esses dados para a irmã dela.

- A professora?

- Sabiamos que ela estava morando na cidade, mas não demos importância. Afinal, era inconcebível para nós que ele pudesse suspeitar de qualquer coisa. Ela chegou até mesmo a dar aulas para Otávio e nenhuma de suas atitudes indicavam que ele soubesse com quem estava lidando.

- Mas ela sabia, não sabia?

- Quando descobrimos a traição de Nelson, nós o forçamos a dizer tudo o que ele havia contado a Teresa. E, de fato, ela sabia muita coisa. Ela tinha conhecimento do funcionamento básico da VLC e tinha uma lista com os pedidos feitos por Edmundo. Nós demos a Nelson a punição que ele merecia e começamos a observar Teresa com mais cuidado.

Nicolas já havia voltado ao normal. Agora apenas ouvia os detalhes da história que ele tanto quis desvendar.

- A princípio, achamos que ela não fosse tentar nada. Mas um de nosso espiões percebeu que ela parecia um tanto quanto inquieta em seus últimos momentos de vida. Achamos que talvez a morte de Nelson tivesse abalado um pouco a sensação de segurança dela. Mas não era só isso. Ela estava tentando encontrar uma maneira de te envolver na história...

- E conseguiu!

- Sim. Nós jamais imaginariamos que ela fosse te passer um número para contato daquela maneira.

- Mas aquele número...

- "Não confie em ninguém. Você não terá para onde correr..."

- O que significam essas frases, afinal?

- Significam exatamente o que significam. Além de ser uma variação do antigo slogan da VLC: "Se não tiver para onde correr, confie em nós.". Esse primeiro número foi um teste, para saber se ela podia contar com você.

- E eu pasei?

- De certa forma sim. Você conseguiu decifrar o enigma e teve a iniciativa de ligar para o número encontrado. Além de ter conseguido guardar segredo sobre o conteúdo do telefonema. Mas no momento em que ela realmente precisou que você ligasse...

- Eu... amarelei...

- Exatamente. Esse erro custou a vida dela. E, infelizmente, custará a sua também.

Nicolas encarou Sarah, como se esperasse que ela dissesse "brincadeirinha!" depois dessa frase.

- Convenhamos, Nick. - continuou ela - Nós não podemos deixar você voltar para sua casa sabendo tudo o que você sabe.

- Você não pode estar falando sério! - Nicolas começou a se agitar na maca, tentando soltar-se das amarras.

- Quieto! Não quer tomar outra injeção, quer?

- Vocês não podem me matar! Isso vai contra o roteiro!

Sarah abriu um armário e tirou de lá um livro bastante grosso.

- O que é isso? - perguntou Nicolas.

- Esse é o roteiro da vida do seu irmão. Tudo o que ele viveu, vive e viverá está aqui. E, realmente, você tinha participações muito importantes nessa versão.

Sarah jogou o livro sobre a mesa, com raiva.

- Mas sua teimosia pos tudo a perder! Nós teremos que reescrever a maior parte dele.

- Você são doentes! - gritou Nicolas - Programam a vida inteira de uma pessoa e a controlam de modo que ela não se desvie do que está escrito!

- Bom, muita gente acredita que a vida delas passa por esse mesmo processo...

Nicolas não se importava mais com sua vida, ou com a vida de seu irmão. Nem mesmo com a condenação de Edmundo. Ele apenas sabia que algo como a VLC não poderia continuar existindo.

- Se vocês me matarem, a vida do meu irmão fracassa. - provocou o garoto.

- Nós estudamos bastante as circunstâncias - disse Sarah - Nós precisamos de você para realizar dois pedidos de Edmundo: 1 irmão mais novo e 6 sobrinhos. O primeiro item já foi completado quando você nasceu, pois não há nenhum especificação de quantos anos de vida esse irmão precisaria ter.

- Mas o outro pedido ainda não. Vocês não podem fazer nada enquanto eu não tiver seis filhos!

- Tem razão. Edmundo deixou claro que os seis sobrinhos seriam filhos do seu irmão. Não poderemos simplesmente transferi-los para o irmão da futura esposa dele.

Nicolas sorriu, triunfante.

- No entanto, Edmundo não disse em nenhum momento que Otávio precisaria conhecer esses sobrinhos. Ou seja, eles só precisam nascer... e enquanto você esteve desacordado, realizamos alguns testes e concluímos que você já é capaz de produzir filhos.

O garoto gelou. Seu sorriso se desfez em meio segundo.

- O... o que vocês...

- Estamos nesses momento procurando seis voluntárias que aceitem ser as mães dos seus filhos. Iremos inseminá-las e, assim que eles nascerem, você já não terá utilidade para nós.

- Isso é... doentio...

- Ah, não será tão ruim assim... você será nosso "touro reprodutor". - Sarah gargalhou sozinha.

"Eu preciso... de tempo!"

- Quer dizer que... esse tempo todo... você era uma espiã?

- Exatamente. Meu papel é justamente investigar se as pessoas próximas de Otávio estão fugindo muito do roteiro.

- Jonatas também é espião?

- Jonatas? Não, não... você sabe tanto quanto eu que ele não serviria para isso... ele acabaria denunciando seu disfarce em menos de dois dias.

Nicolas não conseguiu conter o riso.

- Mas ele sempre foi um bom termometro em relação a você - continuou Sarah - ele sempre comentava quando você agia estranhamente...

"Quase lá!"

- E tem mais algum espião que eu conheça? Acho que não tem problema me contar, já que eu não vou sair vivo daqui mesmo...

- Na verdade os outros espiões são colegas de trabalho da sua mãe e do seu pai...

- Será que eu poderia beber um pouco de água?

Sarah estranhou a súbita mudança de assunto.

- Minha garganta está seca!

- Pode ser o nervosismo... eu já volto.

Sarah seguiu até a cozinha da VLC. Antes passou na sala de controle, onde os operadores responsáveis pela vida de Otávio observavam sua vida.

- Ele está muito abalado com o sumiço do irmão. - comentou um dos operadores - Isso fez com que ele e a namorada se aproximassem mais.

- Pois trate de afastá-los! - respondeu Sarah - Eles precisam romper até semana que vem!

- Os dramaturgos já começaram a escrever o novo roteiro? - perguntou o outro operador - a gente precisa saber o que vai mudar...

- Não se preocupem, amanhã pela manhã já devemos ter esse ano todo reescrito...

Sarah pegou uma garrafa de água da geladeira e voltou para sua sala. Teve, porém, uma desagradável surpresa ao encontrar a maca vazia. O roteiro da vida de Otávio também não estava sobre sua mesa. No lugar dele, apenas um bilhete, com a caligrafia de Nicolas:

"Não confie em ninguém. Você não terá para onde correr."
...

A VLC era uma construção subterrânea. Nicolas percebeu isso ao encontrar um buraco na parede e fugir por ele. Sarah havia substimado a força dele e, por isso, não o amarrou firmemente. Desse modo foi fácil afrouxar as amarras.

Ele agora corria por um túnel escuro, similar àquele que aparecia em seus sonhos. Levava consigo o roteiro da vida de Otávio. Desse modo, se um dia ficasse curioso, poderia saber como seria sua vida se ele não tivesse desafiado a VLC.

Aliás, se tinha algo que ele não sabia no momento era sobre seu futuro. Ela não poderia voltar para a casa nunca mais. Não poderia correr o risco de ser capturado pela VLC novamente. Ele teve sorte ao conseguir fugir dessa vez, mas essa chance não ocorreria duas vezes.

A partir de agora, estava sozinho no mundo. Sozinho e jurado de morte.

Mas a VLC também perdia com seu sumiço. Eles teriam que operar a vida de Otávio sem saber do paradeiro de Nicolas. Sem saber se os sobrinhos viriam ou não. Na mais completa escuridão.

***

Ok, eu poderia fazer essa história render ainda mais 10 partes, mas achei melhor parar por aqui mesmo. Olha, creio que seja a história mais longa que já escrevi (considerando só as completas). Foi muito bom dividir esse momento com vocês, leitores imaginários.

Conforme havia dito, essa história tinha algumas regras. Ou melhor, ele precisava apresentar obrigatoriamente cinco recursos gerados aleatoriamente por esse site. São eles:

* Um personagem diz ter uma habilidade que não tem e os resultados são melhores do que o esperado.
* Um personagem fica curioso durante a história.
* A história deve ter um vilão no começo (esse é o ponto onde acho que fracassei, mas deixo vocês julgarem).
* A história deve envolver uma escritura no final.
* Durante a história, haverá uma descoberta dramática.

Particularmente, acho que consigo defender que a história apresenta todos esses itens. Só o terceiro que realmente daria mais dor de cabeça para explicar, mas mesmo assim, dá para argumentar.

Além desses itens, existem outras imposições que eu mesmo me coloquei:

* A história faria referência a outra história já publicada aqui (a princípio tinha pensado no "Amontoados de Clichê" ou no "Relatos de um investigador amador", mas acabei optando pelo Vida a la Carte mesmo. Achei que seria uma boa "descoberta dramática").

* Eu tentaria levar a história a sério. Geralmente, quando eu tento escrever histórias com pré-requisitos, eu acabo puxando para o lado da comédia. Não que eu não tenha feito isso nessa daqui - principalmente nessa última parte - mas tentei deixá-la num tom mais sério.

Então é isso. Da próxima vez que tiver um bloqueio mental, vou gerar novos itens e tentar escrever outra história.