domingo, 10 de junho de 2012

Buraco Negro - parte 3

Nicolas corria pela caverna escura. Não sabia para onde ia ou de quem estava fugindo. Só sabia que precisava correr.

Quando finalmente encontrou a literal luz no fim do túnel, juntou o que lhe restava de suas forças e concentrou-as em suas pernas. Seria revigorante poder ver o céu novamente. Mas antes que pudesse colocar os pés para fora daquele lugar, uma figura inesperada apareceu na sua frente.


Teresa Campbell estava irreconhecível. A carne da face começava a entrar em decomposição. Um dos olhos estava faltando. O outro seguia extremamente aberto e sem vida. A pele pálida e o cabelo coberto por algas davam o toque final à sua nova aparência. Como se não bastasse, ela ainda mexeu os lábios e produziu algumas frases:

- E não devia ter confiado em você, Nicolas...

O garoto deu um pulo para trás e ficou parado, em estado de choque.

- Olha o que você fez comigo! Está feliz?

Ele mal conseguia se mover. Apenas tremia de medo e remorso.

- Pois a sua hora também chegou! Agora não há mais para onde correr!

Ela mal terminou a frase. Pulou subtamente sobre o aluno e começou a devorá-lo. Rasgava-lhe a pele com os dentes e enchia a boca de músculo e sangue. Nicolas apenas gritava.

Foi dessa forma que acordou. A cama molhada de suor e o coração praticando saltos ornamentais em sua caixa toráxica. A respiração ia aos poucos voltando ao ritmo normal, enquanto seus olhos iam reconhecendo o ambiente.

Sua mãe correu para o quarto após ouvir os gritos. Ela até imaginava que a morte brutal e inesperada da professora pudesse mexer com o psicológico dele, mas ela sequer suspeitava que ele se sentisse culpado por ela.

...

A cidade estava bastante agitada com os últimos acontecimentos. Era um lugar pequeno e pacato, e tragédias como essa costumavam ser raras. Estavam todos curiosos para saber quem poderia ter feito tamanha barbaridade. Mas para Nicolas, desvendar esse quebra-cabeças era bem mais do que um simples caso de curiosidade. Se quisesse recuperar seu sossego, precisaria descobrir o que houve com a professora e porque ela lhe enviava tais mensagens.

Ele tentou ligar no número que constava na fotografia, mas tudo o que conseguiu ouvir foi uma voz seca e gélida dizendo "fique fora disso". Na segunda tentativa, a linha estava ocupada. E desde então nunca mais desocupou-se. Tentou depois entrar em contato com o primeiro número, mas esse parecia ter sido desativado.

A parte boa é que ele não precisou ir muito a fundo em suas investigações. Numa cidade como aquela, vítimas de assassinato tornavam-se celebridades. E, naturalmente, todos os detalhes de suas vidas eram rapidamente descobertos e discutidos por quase toda a população.

Teresa era solteira e nasceu na capital. Mudou-se para aquela cidade depois que sua irmã mais nova havia sido assassinada pelo marido. Desde então, nunca mais se soube do assassino. Ele simplesmente desapareceu sem deixar nenhum vestígio. Os princiapis boatos apostavam que esse homem estava na cidade e que fora ele quem dera cabo da professora. Mas quem?

Nicolas não demorou para deduzir que a outra garota da fotografia era a irmã assassinada. Talvez a professora quisesse vingar a morte dela. E talvez, de fato, ele estivesse na cidade. Nesse caso, era plausível a tese principal que corria pelas rodas de fofoca. Mas só isso não ajudava o garoto. Por que ela havia pedido ajuda a ele e não à polícia? Ou alguém que realmente pudesse fazer algo a respeito? Afinal, o que uma criança como ele poderia fazer contra um assassino?

Novamente, ele sentiu a necessidade de um aliado nessa missão. Alguém com quem pudesse discutir suas teorias e expor a situação. Mas não via muitas possibilidades. Seus pais provavelmente diriam para ele ficar fora disso. Seu irmão contaria tudo para os pais, e eles diriam que aquilo não era assunto para ele. Pensou também em Jonatas, mas achou que ele poderia ser traído pela língua grande do amigo. Além disso, a mensagem do primeiro telefonema continuava a ecoar em sua mente: "Não confie em ninguém...". E mesmo que confiasse, quem garantiria que seu aliado não amanheceria morto no lago um dia depois? Por ora, achou melhor continuar em carreira solo.

...

Ele seguia sem saber por onde começar suas investigações quando o corpo foi finalmente liberado para o velório. A principio, ele não queria ir, mas algo parecia empurrá-lo para lá.

- Você tem certeza? - perguntou a mãe ao vê-lo decidido a ir.

Nicolas afirmou com a cabeça.

O Velório Municipal não era muito grande, mas naquele dia estava cheio. Amigos, alunos e ex-alunos, colegas de trabalho e curiosos lotavam o lugar. Ninguém queria perder o evento do ano.

Ao chegarem, a mãe de Nicolas juntou-se com alguns amigos do trabalho. Ele avistou Jonatas em um canto e se aproximou.

- E aí? - cumprimentou-o.

Era a primeira vez que se falavam desde o assassinato.

- Que coisa, não? - comentou Jonatas - e a gente teve aula com ela naquele dia!

- Pois é...

Nenhum dos dois teve coragem de chegar perto do caixão. Nicolas apenas observava um homem idoso chorando inconsolavelmente sobre o corpo de Teresa.

- É o pai dela - respondeu Jonatas - coitado... perder as duas filhas assim...

- Pai? - o cérebro de Nicolas começava a maquinar "será que ele sabe alguma coisa?" "devo falar com ele?" "hoje ou outro dia?" "onde será que ele mora?"

Para a última pergunta, a resposta não tardou a chegar

- Ele mora na capital - continuou Jonatas, sem se dar conta de que sanava uma dúvida do amigo - daqui ele vai levar o corpo para ser enterrado lá...

- Então ele não vai ficar por aqui? Nem mesmo por um dia?

- Não.

Desse modo seria difícil agir. Não sentia que seria uma boa ideia conversar com ele naquele estado, mas também não imaginava como faria para falar com ele depois. Seus pais jamais deixariam que ele fosse sozinho para a capital. E, mesmo assim, ele ainda não tinha certeza se o velho poderia ajudá-lo.

A cena seguiu-se por algum tempo. O pai continuava a chorar a perda da filha, sem perceber nada a sua volta...

Até que ele pareceu finalmente perceber as outras pessoas a sua volta. Seus olhos cruzaram-se com os de Nicolas por poucos segundos. Foi o suficiente.

O velho tirou um pequena bola de papel do bolso e despejou-a sobre um cinzeiro. Olhou novamente para Nicolas, para certificar-se de que ele havia entendido. Ele confirmou. Esperou alguns minutos e, depois, deu um jeito de apanhar o papel.

...

Novamente em seu quarto, Nicolas leu o bilhete até decorar. Era um endereço que ficava na capital. Possivelmente o do velho. Mas como ele faria para ir até lá?

...

Quando a escola retomou sua atividades, já havia outra professora em seu lugar. Ao contrário de Teresa, Erina era loura, baixinha e risonha. Ela sabia que os alunos ainda estavam abalados com tudo, mas o cronograma precisava andar. Optou por não tocar no assunto e apenas fingir que nada aconteceu.

- Bom, turma - começou ela - estamos abrindo a partir de hoje as inscrições para quem quiser participar das Olímpiadas de Matemática.

Obviamente, o assunto não atraiu a atenção de Nicolas.

- Aqueles que obtiverem os melhores resultados irão até a capital, onde realizaremos as finais estaduais.

Agora sim, dois sinos badalaram dentro de seu cérebro. Era uma possibilidade de ir à capital sem precisar expor seus motivos a ninguém... mas, para isso, precisaria estar entre os melhores alunos da cidade... coisa que ele definitivamente não era.

- Só que essa é uma Olímpiada relâmpago criada apenas como uma ferramenta narrativa totalmente conveniente para a trama - continuou Erina - a classificação ocorrerá amanhã. Os resultados serão divulgados depois de amanhã e, no dia seguinte já partiremos para a capital.

"Só três dias" pensou Nicolas "eu tenho que conseguir! É minha única chance!"

- E então? Alguém está interessado?

- Eu, professora! - gritou Nicolas, surpreendendo todos a sua volta.

***
O problema com essa história é que parece que quanto mais eu escrevo, mais longe do final eu fico. Eu não pretendia que ela tivesse mais do que três partes (e ela ainda nem vai terminar na próxima).

Fora isso, até que estou me divertindo. Dos cinco itens que a história precisaria ter, quatro já estão encaminhados. Só um deles está me causando problemas... talvez eu tenha de alterá-la depois para acrescentar esse negócio porque era uma exigência para o início da trama. Ou então terei que dar uma volta bastante longa para explicar essa ausência...