Dizer que a internet mudou as nossas vidas é talvez o maior clichê da última década. Sim, é uma grande ferramenta, com enorme potencialidade que foi capaz fazer o mundo parecer menor do que costumava ser. Hoje podemos saber o que está acontecendo do outro lado do planeta em um ou dois cliques. A internet é tão foda que até permite que um zero à esquerda feito eu digite algumas obviedades num blog qualquer e as divulgue para o mundo. Sim, ouvimos essa mesma história em praticamente todo texto que se aventure a tratar desse tema. Mas o fato de a história já ter sido contada um milhão de vezes não a torna menos impressionante.
Talvez uma das maiores mudanças que a internet trouxe para nossas vidas diz respeito à forma como interagimos com as pessoas - sejam elas conhecidos da vida real ou não.
Como todo bom meio de comunicação, a internet começou sua carreira permitindo que duas ou mais pessoas pudessem estabelecer alguma forma de contato. Pode-se dizer que o inicio de sua popularização se deu graças às indescritíveis salas de bate-papo e àquele troço que hoje parece pré-histórico e tão distante das nossas vidas chamado "mIRC". Você se lembra, vai! "\list", "join", pessoas com arroba-antes-do-nome (er... "nick") mais temidas demônios sociopatas homicidas, "lag" e "oi, quer tc?". Era algo bizarro e (pensando melhor agora) rídiculo, mas deu sua parcela de contribuição para que a internet se tornasse o que é hoje.
Esse foi na verdade meu primeiro contato com a internet, quando fiz um cursinho de informática bem básico ("básico" eu digo pelos padrões de hoje. Para aquela época, eu e meus colegas de curso éramos praticamente PhD no assunto). Tinhamos um livro todo dedicado à Internet, e nele só existiam instruções de como utilizar o mIRC. Nossa "prova" era entrar no programa e bater-papo com estranhos. Mas aquela era uma época em que ter computador em casa já não era muito comum. Computador com internet então, só um grupo bem específico de pessoas. E era só aquele internet discada que demorava uma eternidade e meia para carregar, caia toda hora e deixava o telefone mudo. É... eu sei que esse tipo de coisa infelizmente ainda existe. Mas, como ia dizendo, não tinha muita gente para bater-papo por ali. Então conversávamos com nós mesmos. Parecia bastante surreal na época conversar com outra pessoa por uma tela de computador sendo que ela está a dois passos de você na vida real. Isso também contribuiu para que a internet se tornasse o que é hoje.
Acredito que deve existir gente que ainda use o mIRC, mas pessoalmente não conheço ninguém (pelo menos ninguém que tenha confessado publicamente). As salas de bate-papo ainda não comum, mas a reputação das pobres certamente não é das melhores...
Outro grande boom da internet veio com a invenção de algo chamado "Fotolog". Foi a época em que os "nicks" do mIRC ganharam cara. Não posso dizer muita coisa sobre os Fotologs porque nunca tive um. Mas muitos amigos tiveram. Lembro que, por algum motivo obscuro, era necessário esperar a madrugada para criar um perfil no referido site. Feito isso... era só postar as fotos. Postar uma legenda. E esperar os comentários.
As pessoas se divertiam fazendo isso. De verdade. Tanto que essa ideia de misturar vida particular com vida pública resultou em outra faceta da vida dos usuários: a vida virtual. Os aspectos da sua vida que você gostaria que os outros conhecessem. Sejam eles reais ou não.
Apesar de ainda não ser muito comum, a internet já era vista como um meio de comunicação legítimo. Tinhamos e-mails, icq, msn, o próprio mIRC ainda era relativamente forte... e para quem queria interações menos privativas, blogs, fotologs e fóruns de discussão. Mas ainda faltava algo para organizar melhor tudo isso. Algo que conseguisse encontrar um meio termo entre as duas coisas.
Não me lembro quando foi a primeira vez que ouvi a expressão "site de relacionamento", mas acredito que tenha sido para descrever o site que foi talvez a maior febre no Brasil em termos de internet: o Orkut.
Matérias e matérias foram escritas sobre o site. Gente que se conheceu pelo Orkut. Gente que reencontrou os amigos de infância pelo Orkut. Gente que abriu mão de sua vida social para passar o dia todo no Orkut. Enfim, era um fenômeno que coincidiu com a época de popularização da internet no país. Quase todo mundo teve um Orkut (muitos ainda tem perfil por lá). O meu não sobreviveu mais do que dois anos. Mas existiu.
O site não tinha nada muito inovador per se. Você podia postar fotos (como no fotolog), mandar recados para amigos (como no e-mail), interagir com desconhecidos que tenham os mesmos interesses que você (como num fórum de discussão) e etc. O grande diferencial talvez é que o Orkut funcionava como uma espécie de catálogo de pessoas. Pelo site, era fácil informar quem você é, do que você gosta e quem são seus amigos. Da mesma forma, era simples saber quem são os outros, do que eles gostam e de quem são amigos. Claro que existia ali muita idealização e distorções de realidade, mas era um jeito eficaz de vender sua imagem sem parecer exibicionismo demais.
Discussões sobre privacidade e comparações com reality shows não faltaram. Muita gente escreveu teses sobre os limites de tanta exposição e suas consequências. No fim, o próprio Orkut desvendou esse enigma.
Pouco tempo antes de eu excluir meu perfil, o site lançou um dispositivo que informava aos usuários as pessoas que haviam acessado seu perfil. Atá aí, tudo bem. Pode ser interessante saber quem andou fuçando a sua vida... depois cai a ficha: o Orkut também está avisando outras pessoas que EU estou fuçando a vida delas. A menina que se faz de durona não quer que o ex-namorado saiba que ela acessou o perfil dele. O rapaz tímido não quer que a garota bonita classe saiba que ele acessou o perfil dela. A mãe moderninha não quer que os filhos descubram que ela fica monitorando seus perfis a tarde toda. Esse, no fim, é o limite da exposição. Ninguém quer que traços de sua personalidade que contrariem a imagem que desejam passar ou que possam causar constrangimentos na vida real sejam revelados.
Esse talvez tenha sido o início do fim do Orkut. Não que o dispositivo - que era opcional - fosse capaz de acabar com o site. Mas o surgimento de novas opções mais completas certamente sim. Surgiram MySpace, Facebook e Twitter - para citar os mais conhecidos - e os "sites de relacionamento" viraram "redes sociais".
Atualmente, tenho um perfil no Twitter (há uns dois ou três anos) e um no Facebook (há uns quatro meses). O que de certa forma me impressiona é a maneira diferente com que eu lido com cada um deles.
(As observações relatadas a seguir dizem respeito única e exclusivamente às minhas experiências. Acredito que bem pouca gente terá a mesma visão das coisas do que eu)
São poucas as pessoas que eu conheço que têm Twitter. Boa parte delas eu nem sigo. Nem costumo divulgar meu perfil para amigos e familiares. Para mim, o Twitter não serve para interagir com pessoas da vida real. O site parece limitado demais para isso.
Meu objetivo inicial ali era apenas filtrar informação. Seguir perfis que pudessem mandar links ou pensamentos interessantes. Esse ainda é o principal motivo pelo qual continuo por lá, mas devo admitir que a necessidade de filtração só aumenta. Atualmente, eu não abro a grande maioria dos links que surgem na minha timeline. E eu sempre me considerei relativamente seletivo. (O pior de tudo é que um dos perfis que eu seguia deletou sua conta e até agora eu não consegui descobrir quem foi. Claro que estou curioso para saber quem foi, mas o fato de eu não ter dado por falta de ninguém só mostra que eu não sou seletivo porra nenhuma).
(Essa é a hora que o sono começa a bater e o texto vai ficando cada vez mais truncado e sem nexo. Se você sobreviveu lendo tudo até aqui, boa sorte com o resto).
Mas além de extrair informações, outra grande utilidade do Twitter é poder jogar na internet qualquer pensamento solto, sem nexo e fora do contexto. Não tenho mais o que fazer? Ah, vou twittar alguma coisa e publicar! Qual é a graça nisso? Sinceramente, não sei. Eu poderia simplesmente escrever besteiras em um caderno e deixar por isso mesmo, mas não é a mesma coisa. Acho que a graça do negócio é justamente saber que alguém pode ler aquilo. Alguém que talvez nem me conheça e que não vai entender patavinas do que está ali. Ou então, alguém que vá interpretar mal seu significado. Talvez seja meu lado exibicionista se manifestando. (Porém, se você prestar a atenção no quadro aí da barra ao lado verá que eu não atualizo meu Twitter com muita frequência. Isto é, essa mania que eu tenho é bastante eventual).
Penso no Twitter como uma grande praça pública, cheia de gente estranha, onde quase ninguém te conhece e que a qualquer momento você pode dizer alguma coisa ou parar para escutar a conversa alheia.
O Facebook parece ser o grande sucessor do Orkut. Lá você pode informar seus dados, encontrar amigos, postar e comentar fotos, conversar... diferentemente do Twitter, quase todo mundo que eu conheço está ali.
O site definitivamente não serve para filtrar informações. 99% do que aparece por lá é lixo. As poucas coisas interessantes serão replicadas por pelo menos outras quatro pessoas. Também não sinto muita vontade de soltar pensamentos aleatórios no meu mural. Não sei. No Twitter eu tenho mais sensação de "impunidade". "Eu vou publicar isso aqui e, mesmo que alguém leia, ninguém vai me questionar a respeito." No Facebook não. Parece que tem sempre alguém te vigiando. "O que foi aquilo que você postou?" "Você viu o que a Fulana postou no Face dela?" E aí volta para aquela história de não querermos nada na internet que possa trazer algum tipo de constrangimento para a vida real.
A pergunta então é: Por que raios eu criei um Facebook? A resposta é: para não perder contato com os amigos. Sei que costumam dizer que amigos de verdade não somem, mas isso é mentira. Ou talvez eu não tenha amigos de verdade, mas o ponto não é esse. O fato é que eu senti que estava perdendo o contato com alguns amigos (parece que ninguém mais usa e-mail hoje em dia) e decidi que não queria isso. Aí criei um Facebook. Não sei se resolveu o problema, mas de certo modo tem ajudado. Essa provavelmente é a única característica que, para mim, diferencia o Facebook do Orkut: ele tem uma utilidade.
Vejo o Facebook como uma festa particular na sua casa, onde só entram aqueles que foram convidados.
Recapitulando: o Twitter é público, o Facebook é privado. No Twitter, eu prefiro aqueles que eu não conheço de verdade. No Facebook, só aceito aqueles que já encontrei na vida real. Mas nem todo mundo concorda comigo. Os próprios sites não se enxergam dessa maneira limitada.
O Twitter, por exemplo, dá a opção para você trancar seu perfil e permitir que apenas um seleto grupo de pessoas possa ler o que você escreve. Eu já tentei fazer isso, mas para mim não serve. É como armar uma tenda no meio da praça e contratar dois seguranças para decidir quem pode entrar e quem não pode. E aí junta aquela aglomeração de curiosos tentando enxergar o que tem lá dentro. Sei lá, para mim o Twitter é aquele lugar onde a informação tem de correr solta. Alguém publica algo, outro repassa e aquilo vai circulando, chegando às mais diversas pessoas.
E o Facebook inventou de permitir que você possa receber informações de alguém mesmo sem ser amigo. Ora, isso seria o mesmo que derrubar as paredes da minha casa e continuar morando aqui. Ou então espionar a casa de algum estranho a la Janela Indiscreta. E, numa boa, considerando o material que eu costumo receber dos meus amigos, acho bem pouco provável que eu fosse me interessar por algo vindo de alguém que eu nem conheço. Quero dizer, se eu me interessasse, e a seguiria no Twitter.
E assim, a internet evolui e nós vamos apenas nos adaptando a ela e ao novo sistema de interação que ela nos apresenta. Vamos nos acostumando a deixar o anonimato absoluto e passamos a criar uma imagem pública, o que nos permite interagir com outras imagens públicas. Imagens essas que extraem a essência da pessoa real, excluem aspectos constrangedores e injetam altas doses de idealismo e desejos.
(Puta merda, Renan, vai dormir de uma vez)
PS: Não sei se deveria publicar esse texto, já que só uns 40% do meu raciocínio está funcionando. Talvez amanhã, quando estiver mais sóbrio, eu siga o meu bom senso e exclua esse texto do blog. Mas por enquanto, vai assim mesmo. Afinal, fiquei quase duas horas escrevendo essa bosta.