Ela era o centro das atenções por onde passava. Impossível não vê-la. Rosto angelical, olhos azuis profundo, quase transparentes. Cabelos castanho-alourados. Três joaninhas tatuadas na nuca. Era como se um anúncio de perfume tivesse ganhado vida. Estava noiva há três anos e tinha planos de se casar depois da faculdade.
Até aquela manhã. Aquela triste e cruel manhã. Foi encontrada sem vida dentro de seu próprio carro. Um tiro na cabeça. A arma continuava caída no chão do veículo. Não havia sinais de arrombamento. Suícidio ou assassinato?
Não se falava de outro assunto na cidade. Por que alguém como ela daria cabo da própria vida? Linda, rica, inteligente, cercada de amigos, cheia de planos... Não. Alguém assim não dá cabo da própria vida. Uma conspiração! Só pode ter sido uma conspiração. Algum inimigo. Um ex-namorado ou uma colega invejosa talvez. Até o pobre coitado do noivo entrou na lista de suspeitos das teorias populares.
Ninguém nunca encontrou motivos e nem culpados. Será que eu não poderia resolver esse mistério? Será que, de todas as pessoas do mundo, eu é quem acabaria desvendando os enigmas que cercam esse caso?
Estava eu dentro do quarto dela. Seria loucura narrar todos os acontecimentos que me levaram até ali. Teriam os investigadores deixado passar alguma pista, alguma evidência, algum elemento que clareasse aquele nebuloso acontecimento? Não resisti e comecei a bancar o Sherlock.
Nas paredes, fotos das mais variadas. Ela com amigos na praia. Ela com os pais na montanhas. Ela com o namorado em Paris. Ela com as primas na Disney. Será que alguma daquelas pessoas teria sido responsável de alguma forma por esse trágico destino?
Na escrevaninha, um computador. Livros da faculdade de fisioterapia, que não seria completada. Mai alguns porta-retratos. Anotações e lembretes informando que ela teria de visitar o dentista dois dias depois de morta. Ninguém se mata por medo de visitar o dentista, mas admito que cheguei a cogitar essa hipótese. Por breves segundo, é verdade. Mas cogitei.
Sobre a cama arrumada, um enorme urso panda de pelúcia. Seria um presente do namorado? De algum ex-namorado? Dos pais? Ou ela comprou por conta própria? Não acho que alguém compraria um trambolho desses para guardar em casa. Enfim, estava divagando de novo. Percebia-se logo que eu não tinha talento para detetive.
Fiquei receoso em abrir o guarda-roupas. Talvez eu estivesse invadindo um espaço ao qual não tinha direito nenhum. Mas ela está morta. Ninguém vai saber. Pode ser que lá esteja a peça do quebra-cabeças capaz de solucionar esse enredo.
Hesitei, mas abri. Roupas de marca, vestidos exclusivos, uma infinidade de sapatos. Conheço algumas amigas que dariam qualquer coisa para ficarem trancadas naquele armário por pelo menos uns três dias. Mas o que eu buscava era mais valioso que tudo aquilo. Acabei encontrando. No meio da gaveta de peças íntimas, encontrei um diário.
Estariam ali as respostas que eu procurava? Abri o caderno. Minhas mãos tremiam. Como puderam deixar passar uma coisa dessas?
Mas logo minha felicidade e sonhos de glória eterna se dissiparam. Fui até a última página e a última anotação foi sobre um garoto que ela beijou na quinta série. Imagino que as meninas percam o interesse em relatar experiências desse tipo depois de um tempo. Que inocência a minha. Guardei o diário no lugar, depois de me certificar que não havia nada mesmo escrito nas entrelinhas.
Caminhei até a janela e observei o enorme jardim da casa. Alguém bateu na porta. Era a mãe dela, entrando com duas xícaras de chá. Uma senhora elegante e discreta. A filha não seria diferente se chegasse naquela idade.
Conversamos um pouco. Tentei extraír alguma informação que ajudasse a minha investigação clandestina, mas infelizmente não possuía o dom para tal. Fiquei apenas mais alguns minutos e logo me despedi. No caminho para a casa, um pensamento me ocorreu.
- Será que ela não tinha nenhuma empregada para servir o chá? E que tipo de pessoa compartilha uma xícara de chá com um convidado no quarto da filha falecida?
Infelizmente, não tive capacidade para ligar essas inquietações ao caso analisado. Você teve?