As coisas haviam mudado nesses últimos meses. A casa ainda era a mesma, embora estivesse com aspecto de abandono. A tinta muro começava a se descascar e a grama do jardim parecia não ser cortada há pelo menos um ano. Fora isso, tudo parecia igual. Tanto, que já ia automaticamente colocando o carro na garagem, como sempre costumava fazer.
Toquei a campainha. Estava nervoso e fazia um péssimo trabalho tentando disfarçar. Finalmente, ela apareceu. Não fez questão de esconder a indiferença e o desprezo que sentia ao me ver.
- Oh, é você. O que quer aqui?
- Vim ver o meu filho.
- Ah! Finalmente lembrou-se dele, não é? Veio trazer um presente, suponho. Acha que isso vai confortá-lo?
- Eu só quero falar um pouco com ele. Será que não tenho esse direito?
O olhar dela parecia ainda mais zangado. Era evidente que esses últimos dias não tinham sido nada fáceis para ela. Mais evidente ainda era o fato de ela me culpar por toda essa situação.
- Depois de tudo o que você fez? Depois de ignorá-lo por meses? Depois de se esquecer do aniversário dele? Você consegue imaginar como foi? O tempo todo ele perguntava a que horas o pai ia aparecer na festinha. De hora em hora. E quanto mais o tempo passava, mais eu ficava sem uma desculpa convincente para dar a ele.
- Eu sei, eu... sinto muito - senti minhas bochechas ruborizarem - eu vim justamente para me desculpar e... tentar consertar as coisas.
Ela soltou um riso de escárnio.
- Olha, você tem todo o direito de me odiar. Eu entendo, de verdade. Eu só queria falar um pouquinho com ele, entregar o presente... Ele está aí, não está?
Contrariada, ela colocou a cabeça para dentro da casa e chamou pelo garoto. - Seu pai está aqui. Anda!
O garoto apareceu na porta. Ao me ver, parecia não ter decidido a reação apropriada. Seu olhar era de choque, surpresa, decepção... mas num segundo, tudo aquilo se desfez num sorriso.
- Papai!
A mãe dele me deixou entrar para que eu pudesse abraçá-lo. Todo esse tempo longe fez com que eu me esquecesse o quanto eu o amava. Quando finalmente nos soltamos, percebi que não sabia o que dizer a ele.
- Por que sumiu, papai? Estava com saudades! - disse ele, talvez percebendo o quanto o silêncio já estava ficando constrangedor.
- Papai tem trabalhado muito, filho. Quase não tem tempo para mais nada!
- Você nem veio na minha festa...
- Foi um dia muito complicado. Mas fiquei sabendo que foi uma festa muito boa!
- É... acho que foi...
- Trouxe um presente para você - entreguei o pacote embrulhado em papel azul que trazia. O presente era quase maior que ele. Seus olhos brilhavam enquanto contemplava a caixa.
- É grande! O que que é, papai?
- Por que você não abre?
Aos poucos, o papel ia sendo tirado, revelando mais e mais detalhes sobre o que estava por baixo. A cada descoberta, ele soltava algumas interjeições de espanto.
- Gostou? - perguntei quando ele terminou.
- Gostei. O que é?
Expliquei brevemente o que era e como funcionava. Ele apenas me olhava e balançava a cabeça em afirmação, sua maneira educada de dizer que não estava entendendo nada.
- Legal! Vai passar a noite aqui com a gente?
- Não posso, filho. O papai já disse que agora mora em outra casa...
- Mas você não vai sumir de novo, vai?
- Não, filho. Claro que não!
- Promete?
- Prometo. - e lá estava eu, fazendo promessas vagas ao meu filho mais uma vez. Promessas que dificilmente poderiam ser cumpridas.
- Já chega, não é? - disse a mãe dele interrompendo a conversa - imagino que seu pai tenha muitas coisas para fazer e precisa ir embora - e virando-se para mim acrescentou - não é?
- Sim, sim... eu já estou de saída...
- Ah, pai...
- Mas eu volto outro dia. Com mais calma, com mais tempo... um dia inteirinho só para a gente, que tal?
- Quando?
- Um dia...
- Eba! Mamãe, mamãe! O papai vai vir passar um dia inteirinho comigo!
- Que bom, não é? - respondeu ela com ironia - mas agora já está tarde e o senhor ainda precisa tomar banho e jantar! Dá tchau pro papai, dá!
- O papai não pode jantar com a gente?
- Não.
- Tchau, papai! - nos abraçamos novamente, como se fosse a última vez. - Até um dia!
- Até um dia...
***
Há três anos (e alguns dias) nascia o Lacônico-Afônico. Fruto do meu casamento com a Falta do Que Fazer. Tivemos momentos muito felizes juntos, mas, aos poucos, fomos nos distanciando. O casamento acabou e o pobre Lacônico-Afônico ficou abandonado. Ainda bem que é só um blog...
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Todos escritos no longínquo ano de 2010.